15 de janeiro de 2009

João em luto

Jamais imaginei que um de nós morreria assim, na avenida que é mais nossa do que qualquer outra. Ainda mais a Márcia, tão prudente. Objetivamente não sabemos ao certo o que aconteceu, mas só a morte é definitiva e foi isso que tivemos.

Tremia minhas pernas subindo pela Teodoro em direção a paulista. Não queria acreditar, era como se fosse mesmo uma parente, era como se fosse eu mesmo, ou uma pequena parte que ia com ela. Mas ao chegar o que chamou a atenção não foi um corpo coberto, mas uma bicicleta que permanecia em pé, quase intacta, apenas com a corrente que saltou das coroas.

Com o passar dos acontecimentos foi isso que senti. Morremos todos, morreu um pedaço de cada um de nós que pedalamos por São Paulo. Mas a bicicleta e a bicicletada permaneceu em pé. E já estavam presentes alguns amigos da bicicletada. Algum tempo depois, enquanto o IML recolhia o corpo a chuva caia forte, como que para lavar o asfalto. O vento trouxe o cheiro de sangue para não nos deixar esquecer que era uma vida que havia sido perdida.

Foi muito triste, mas não chorei. Avisei a uma amiga dela por telefone e senti-me culpado pelas lágrimas que comecei a ouvir do outro lado, lágrimas de incredulidade. Logo essa amiga avisou outras e uma mobilização se formou nesse outro núcleo. O grupo se dividiu e fomos alguns para a delegacia. A mesma 78 DP nos Jardins que já estivemos antes. Seguimos eu e o Albert a bicicleta da Márcia, pendurada em uma viatura da PM, chegamos antes, afinal a bicicleta é o veículo urbano rápido que conhecemos. Mas essa pequena vitória não nos valeu muito.

Tudo entrega à polícia, fomos ao IML e lá estavam amigas e uma tia. Foi triste, mas comecei a ver então a beleza maior da bicicletada. E ao chegar na Praça me emocionei de novo, por ve-la já com vários ciclistas reunidos. Os abraços foram doloridos, mas mostraram aos poucos que a Márcia partiu, mas que o grupo se reuniu.

Antes, no meio da tarde achei que um pouco de nós se foi com ela. Agora acredito que ela está um pouco em cada um de nós. Quero me lembrar dela pela alegria, pelo prazer que tinha em pedalar. E creio que é assim que ela gostaria. Perdemos sim uma amiga, mas ao mesmo tempo, ganhamos um trágico motivo para nos unirmos ainda mais e seguirmos nossa luta para que nossas ruas sejam mais seguras para todos. Conhecidos ou não, ciclistas ou pedestres.

Um abraço em luto, mas firme e forte mirando o olhar no futuro.


João Guilherme Lacerda

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