18 de novembro de 2008

Oriente

O texto que indiquei do blog idéias cretinas mexeu com os brios do meu amigo Zé. Apesar de não concordar que os caras ofenderam os árabes e nem concordar com tudo que o Zé escreveu, publico aqui a resposta dele.

Para os interessados na questão, além dos links presentes no texto, recomendo duas obras de referência: Palestina uma nação ocupada, de Joe Sacco e Persépolis, de Marjane Satrapi.




O que o autor do comentário faz tem sido repetido há muito tempo, desde a época de Alexandre Magno quando quem fazia as regras eram os helenos, e todo o resto do mundo que não falasse heleno (grego) era colocado no mesmo saco de gato com a etiqueta de bárbaros; politica habilmente assimilada pelos romanos, e é nesses dois povos que se inspiram grande parte de nossas idéias e ideais.

Um grande autor sobre o tema e que me introduziu este assunto foi Edward Said, critico político, teórico literário, intelectual, foi professor de inglês e literatura comparada na Universidade da Columbia Britânica e uma figura importante na elaboração da teoria pós-colonial. Seu livro mais importante, de onde tiro subsídios para minha crítica, chama-se Orientalismo. Essa longa porém necessária caracterização do autor achei bastante relevante, porque ele era uma pessoa extremamente educada e culta, com uma lucidez de raciocínio incrível e defendia as questões do oriente sem paixão fervorosa e irracional que nos é dada incessantemente de exemplo pelos veículos de informação e seus condutores quando a questão procede de além-Leste dos Montes Urais ou a Sul do Mediterrâneo.

A questão central do livro é a criação do "oriente" pelos "ocidentais". O oriente sempre foi tratado como uma região mística onde vivem povos menos avançados com costumes estranhos. Nossa visão do oriente é completamente distorcida e baseada em informações criadas por ocidentais, indiciada com 'Lawrence da Arabia', 'Salambô' de Flaubert e 'Divã Oriental' de Goethe. E o mais absurdo desta orientalização do oriente é que informação nova passou a ser criada com base não mais no oriente, e sim na informação já produzida sobre o tema por ocidentais.

Não vou me demorar em detalhes, pois posso ser equivocadamente confundido com um apaixonado pelo tema, quando na verdade apenas defendo minha discordância da postura do autor do texto do blog. Como no texto, os orientais são muitas vezes tratados como um coletivo. Sempre se refere a eles no plural: 'os fundamentalistas', 'os muçulmanos', 'os chineses', 'a minoria curda'. Contextualizando o tema, é tão errado como dizer 'os paulistanos', 'os corinthianos', 'os caipiras', atribuindo característica ao grupo como um todo, e sabemos muito bem que essa atribuição de característica é no melhor dos casos feita com pena inferiorizante, podendo chegar a discriminação preconceituosa.

Meu segundo ponto de desacordo é com o uso do termo 'fundamentalismo'. O principio do fundamentalismo é o retorno as tendências e conceitos originais, ou seja, remover todas as distorções e modificações sofridas ao longo do desenvolvimento e da história. Ouvir música em vitrola é fundamentalismo. Ter um visual retrô é fundamentalismo. Fazer seu próprio iogurte em casa é fundamentalismo. Cozinhar em fogão à lenha, ou mesmo fazer churrasco com carvão é fundamentalismo. Andar em bicicleta sem marcha ou de roda-fixa é fundamentalismo.

Todas religiões tem como mensagem central o amor ao próximo. O que aconteceu com os 'fundamentalistas islâmicos' pode ter acontecido de duas formas. Ou pessoas sem tolerância religiosa e extremistas se intitularam equivocadamente fundamentalistas, ou o equivoco veio de algum repórter que usou mal o termo para descrevê-los e esse 'neologismo' percolou toda(s) a(s) sociedade(s). Pessoalmente, acredito mais na segunda opção, visto que um 'atentado' suicida a um alvo militar americano no Iraque é hoje chamado de terrorismo, e há 50 anos um piloto japonês que usava o avião como míssil contra um navio era um kamikaze patriota.

Finalmente chego ao terceiro ponto, que é de caráter lógico. O autor comete uma falácia indutiva comparando atitudes de Richard Dawkins e fundamentalistas religiosos. Richard Dawkins, por menos que o conheçamos (como é meu caso), é uma pessoa com identidade e idéias acessíveis. É muito fácil escrever seu nome no google e obter alguma informação sobre ele, veiculada por ele. Já os fundamentalistas religiosos são extremamente alheios ao nosso universo cultural e cotidiano, eu duvido muito que alguém, que ler meu texto ou que leu o texto que critico tenha conhecido pessoalmente algum e escutado ou lido suas idéias sem intermediários. Não obstante, a falácia indutiva do autor expõe o suposto comportamento reativo de fundamentalistas religiosos ao serem questionados sobre suas idéias e usa essa suposição como verdade em que baseei a linha de raciocínio.

Um exemplo dessa linha falaciosa de raciocínio seria este: Os morcegos que são negros e são animais noturnos; as corujas, que também são negras, são animais noturnos; logo, as raposas não são animais noturnos, pois tem coloração amarronzada. Talvez você nunca tenha visto um morcego e uma coruja, ou todos os morcegos e todas as corujas, mas meu raciocínio te induz a concordar comigo que são animais negros e isso é pressuposto para a continuidade da linha de raciocínio.

Acho o tipo de trabalho de Richard Dawkins muito importante, como foi também o de Carl Sagan e Edward Said, entre outros, desmistificando idéias tidas ou impostas como verdades absolutas, e fazendo-o de forma clara e com embasamento. A idéia do autor foi sem dúvida defender Dawkins, mas acredito que ele o fez por caminho espinhoso e pedregoso, utilizando de um ataque infundado para sua argumentação. A segregação precisa dar lugar a diversidade. O mundo precisa de mais amor, compreensão, tolerância e compaixão.

Um comentário:

Gabriel Nogueira disse...

É gratificante encontrar e ler coisas ponderadas sobre temas espinhosos como este.
Realmente amor é o que falta e vejo nessa palavra o maior símbolo da luta contra o "dividir e conquistar" que nos é aplicado há tantos séculos...